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Magali Cunha |
Evangélicos na política: o caso Russomanno
A campanha para as eleições municipais
2012 na cidade de São Paulo foi apimentada pela destacada ascensão do candidato
a prefeito Celso Russomano (PRB) à liderança isolada na disputa no mês de
setembro. Russomanno, que demonstrava bons índices antes do início da campanha
pelo horário eleitoral gratuito no rádio e na TV, apareceu como líder isolado na pesquisa
Datafolha divulgada no final de agosto com 31% das intenções de voto, contra 22% de José Serra (PSDB) e 14% de Fernando Haddad (PT).
A consolidação destes números durante
a primeira quinzena de setembro transformou a polarização frequente em eleições
em São Paulo, PT vs. PSDB (ou seus respectivos aliados), para Russomanno vs. Serra/Haddad,
que passaram a atacar o seu novo principal opositor. E foi neste processo de
ataques que emergiu a questão da religião na política como algo a se combater.
Russomanno passou a ser apresentado como "o" candidato da Igreja
Universal do Reino de Deus (IURD)", com compromissos com esse grupo. Isso
porque o PRB (Partido Republicano Brasileiro), partido ao qual Russomanno se
filiou em 2011 para disputar a Prefeitura de São Paulo, depois de deixar o
Partido Progressista (o PP, de Paulo Maluf), é conhecido como o "Partido
da IURD". Tendo sido fundado em 2003, por partidários do ex-vice-presidente
do Brasil José de Alencar, o PRB já tinha parceria firmada com a IURD: todos os
deputados ligados a essa igreja migraram para o partido desde o credenciamento,
e levou à eleição, em 2008, do bispo Marcelo Crivella (PRB/RJ) como o seu
primeiro Senador. O PRB ficou conhecido como o braço político da IURD.
Sob esta "acusação", dada a
má imagem da IURD construída socialmente, em especial pelas mídias, por conta
dos escândalos que tratam do enriquecimento ilícito do líder maior da igreja,
o Bispo Edir Macedo, o PRB sempre tentou
descolar sua imagem da religião mas o fato é que a cada eleição os seus quadros
são ampliados com novos pastores e bispos ligados à IURD. O próprio presidente
do partido, Marcos Pereira, é bispo licenciado, se apresenta como leigo,
advogado, mas é membro da IURD e foi vice-presidente da Rede Record, pertencente
à igreja.
Guerra religiosa?
José Serra e Fernando Haddad viram
nesta trajetória do PRB e nas controvérsias da IURD uma possibilidade de
neutralizar o concorrente ameaçador. Até aqui, uma estratégia que em nada
surpreende. Nas eleições nacionais de 2010, religião foi tema recorrente para
ataques e defesas, em especial em relação a Dilma Rousseff, também a Marina
Silva. A surpresa nos desdobramentos dos debates em torno da ascensão de
Russomanno foi a entrada da Igreja Católica (Arquidiocese de São Paulo) no
bombardeio ao candidato. A Arquidiocese publicou uma nota, em 13 de setembro,
repudiando um artigo do presidente do PRB Marcos Pereira. O texto publicado no
blog do político há mais de um ano, maio de 2011, criticava o então Ministro da
Educação Fernando Haddad e seu antigo e derrotado projeto do "kit
anti-homofobia" (que ficou conhecido como "kit-gay") para as
escolas e também recriminava a Igreja Católica por ter apoiado tal projeto e
por influenciar o ensino público. O artigo voltou a circular pela internet
neste tempo de campanha eleitoral. Daí a na nota de setembro de 2012, em que a
Igreja Católica que declarou só agora conhecer o texto, acusa Pereira de
promover intolerância religiosa e acrescenta a acusação de ser o PRB
"manifestadamente" ligado à IURD.
Marcos Pereira se defendeu alegando
que a produção do artigo em seu blog tem relação com a “liberdade de expressão
e livre pensamento, sem qualquer conotação política ou eleitoral" e
criticou o fato de o texto ter sido usado um ano e quatro meses depois “de
maneira indevida às vésperas da eleição para a Prefeitura de São Paulo”.
As críticas a Celso Russomanno, como
candidato da IURD e por trabalhar por ela, se intensificaram. Indo além do
debate entre políticos, o candidato reclamou publicamente, de acordo com
matéria do Portal Terra (19/09/2012), estar sendo atacado pela Igreja Católica
e que o arcebispo de São Paulo D. Odilo Scherer teria orientado padres a
recomendarem aos fiéis nas paróquias a não votarem no candidato.
Fato muito interessante em todo este
processo é que nova pesquisa Datafolha divulgada em 20 de setembro mostra que
os ataques a Russomanno não fizeram efeito: ele segue estável com 35% de
intenções de voto, com Serra com 21% e Haddad com 15%.
Um cenário complexo
Todo este acirramento em torno da
questão religiosa tem chamado a atenção de pesquisadores da política e da
religião, e revela como o fenômeno religioso hoje no Brasil e as transformações
experimentadas nesse campo, se coloca cada vez mais na pauta da dinâmica
sociocultural.
Importa observar três elementos:
1 - O lugar da IURD nesse processo e
seu poder no quadro de hegemonia do Pentecostalismo entre os evangélicos na
atualidade como império midiático e na força política, com o quadro de
deputados e senadores que elege e se amplia a cada eleição. Força política é
elemento significativo aqui pois a IURD aparece como a igreja que se
estabeleceu com um nítido projeto de presença na política nacional como parte do
seu jeito de ser igreja e sua consolidação como força social. Não que religião
na política seja fato novo, mas a novidade reside no fato de uma igreja
estabelecer um projeto, metas, e até mesmo trabalhar na criação de um partido
que lhe servisse de braço político. Os últimos números do censo 2010 sobre
religião mostram uma queda no número de adeptos da IURD, o que tem gerado uma
série de novas avaliações, mas a posição dessa igreja como poder midiático e poder
político no País se mostra imutável.
2 - O fato de a Igreja Católica Romana
entrar nos embates da campanha à Prefeitura de São Paulo é indício de que este
poder da IURD está tão forte como sempre se manifestou. E mais, a Igreja
Católica traz para o embate uma aliada poderosa que também se vê ameaçada pela
aliança PRB-Universal-Record: a Rede Globo. Desde que a Igreja Católica entrou
na disputa, o Programa SPTV, por meio do jornalista Cesar Tralli tem pautado o
tema do "uso da religião na campanha". Já foram várias inserções no
telejornal sobre tema, com entrevistas aos candidatos, inclusive Russomanno,
que se declara católico e se defende, em resposta ao jornalista: "não
existe guerra religiosa nem vai haver". Esta defesa responde ao tom dos
ataques.
3 - É fato que a relação
Russomanno-PRB-IURD existe e tem
história: Russomanno é jornalista e advogado e tem presença na mídia desde
1986, tendo passado por várias emissoras, com identidade nas abordagens sobre
direitos do consumidor. Em 2011, Russomanno foi contratado pela Rede
Record, tendo quadro sobre defesa do consumidor em programa jornalístico e em
outros de variedades. Deixou a emissora em 2012 para se candidatar à Prefeitura
de São Paulo. Suas posições como deputado federal, em especial, aquelas
contrárias à ampliação de direitos de homossexuais e de direito ao aborto, o
aproximaram dos grupos religiosos conservadores, entre eles os parlamentares da
Frente Evangélica. Aqui encontramos explicação para a aproximação de outros
grupos de evangélicos a Russomanno: já declararam oficial apoio à candidatura
as lideranças da Igreja Renascer em Cristo e a Assembleia de Deus - Ministério
Santo Amaro. Em entrevista à Folha de São
Paulo em junho de 2012, o ministro da Pesca, ex-senador pelo PRB-RJ,
Marcelo Crivella afirmou que Russomanno é o candidato mais próximo do eleitor
evangélico por conta de sua atuação no Congresso Nacional "em defesa da família
e da vida".
Ocorre que esta afirmação de Crivella
não é regra: um dos ramos mais fortes da Assembleia de Deus, o Ministério de
Belém, liderado pelo Pastor José Wellington Bezerra da Costa, declarou apoio a
José Serra, da mesma forma que a Igreja Mundial do Poder de Deus, hoje em
confllito com a IURD. Já o Ministério do Brás (ligado ao Ministério Madureira,
das Assembleias de Deus, o segundo das mais fortes vertentes, liderado pelo
Deputado Pastor Manoel Moreira), apoia Gabriel Chalita (PMDB). Ou seja, as
igrejas midiáticas, como a IURD e a Renascer em Cristo, e as de força numérica
como as Assembleias de Deus fazem opções distintas tentando medir força e
ganhar status social e espaço no campo religioso com seus apoios, mas
apresentam um elemento em comum: apoiam candidatos cujas posturas e discursos
se colocam na posição de centro-direita, próxima das posturas ideológicas
dessas lideranças evangélicas que vêm de uma tradição de leitura sociocultural
conservadora, em especial nas questões voltadas à moralidade.
Da mesma forma, para além das questões
da moralidade sexual/familiar, os grupos evangélicos não revelam ter
posicionamentos contundentes quanto às questões nacionais (economia/finanças,
trabalho, cultura, meio-ambiente, a própria política). Suas preocupações são
estreitas e pragmáticas: visam, por meio de suas ações na política (apoios ou
campanhas para seus próprios candidatos), obter benefícios para a própria
subsistência como igrejas. Por isso, apoiam candidatos que prometem assegurar
direitos das igrejas e assistência a causas bem específicas. O pastor
presidente das Assembleias de Deus - Ministério Santo Amaro Marcos Galdino, por
exemplo, justifica o apoio a Russomanno, pois ele diz que vai regularizar a
situação de igrejas que, como o Ministério em Santo Amaro, são alvo de
processos administrativos da Prefeitura, conforme depoimento ao Estado de São
Paulo em 7 de setembro. Candidatos conhecem bem esta característica do jeito
evangélico de fazer política e negociam a partir daí.
Nesse sentido, é possível concluir que
evangélicos que dão visibilidade aos seus apoios políticos se lançam num embate
que revela suas próprias disputas por poder nesse campo religioso tão diverso.
Basta ver o caso das Assembleias de Deus e suas divisões: cada ministério apoia
um candidato. Ou o caso da IURD vs.
Igreja Mundial do Poder de Deus: apoiam candidatos distintos. Quem vencer alcança apoio para seus próprios
interesses e maior espaço no campo religioso em disputa, e ainda ganha pontos no
reconhecimento pelas defesas da moral social e da família.
E os fieis?
E os fieis? São fieis também no
atendimento ao apelo dos líderes por votos? A
fórmula pastor manda = fiel obedece não é tão automaticamente aplicável.
Em pesquisas, significativo número de evangélicos responde que "talvez"
obedeçam ao pastor. Isso porque há fatores mais fortes, relacionados à dinâmica social, que determinam
a decisão do voto: fatores econômicos e fatores culturais muito especialmente.
O grande exemplo foi a eleição de Dilma Roussef, em 2010, cuja campanha foi
bombardeada por lideranças evangélicas
conservadoras, anti-direitos homossexuais e anti-ampliação do direito ao
aborto. Dilma foi eleita com expressivo voto de evangélicos. Nesse caso, o
reconhecimento das políticas sociais de Lula que teriam continuidade falou mais
forte.
Uma pesquisa Datafolha de 14 de
setembro, no calor das acusações contra Russomanno por estar "usando"
a religião na sua campanha, revela que o engajamento de líderes evangélicos na
campanha dele e na de José Serra não tem surtido benefícios numéricos. Diz a
matéria de Ricardo Mendonça:
Desde
março, quem cresce de forma constante junto aos evangélicos é Fernando Haddad
(PT), o único dos três primeiros que não ostenta apoio explícito de pastores.
Em março, Haddad tinha 4% das intenções de voto entre os pentecostais. Saltou
para 13% em agosto e, na última pesquisa, obteve 15%. Entre os
não-pentecostais, foi ainda melhor. Atingiu 22%. Filiado à sigla comandada por
membros da Igreja Universal, Russomanno caiu 17 pontos entre os
não-pentecostais na última rodada, sua maior queda em todos os segmentos. Entre
os pentecostais, oscilou três para baixo. Já Serra, que tem feito visitas
frequentes a cultos, caiu 12 pontos entre os pentecostais desde março. E apesar
de ter subido de 14% para 24% entre os não-pentecostais na última rodada, ainda
está dez pontos abaixo do que já teve. Serra é apoiado pelo maior ramo da
Assembleia de Deus, por igrejas menores, e foi abençoado por Valdomiro
Santiago, da Igreja Mundial. Ainda assim, tem 50% de rejeição entre
pentecostais e 47% entre não-pentecostais. (FSP, 14/09/2012, on line).
Portanto, tratar o tema evangélicos na
política, ou o caso Russomanno, é tratar tema complexo que não passa tão só
pela questão religiosa, pelo poder que líderes religiosos se atribuem ou pela
obediência de fieis a esses líderes. É dinâmica complexa que inclui disputas
por poder e hegemonia no campo religioso, ambição dos políticos que veem no
pragmatismo dos evangélicos fonte para suas barganhas de campanha, concorrência
de grupos que competem por poder sociopolítico e econômico como as empresas de
mídia. No meio disto tudo está a fé, a crença, a religião, sonhos e esperanças
de muita gente que ainda acredita haver um Deus no meio disto tudo. Se
houvesse, e Ele declarasse o seu voto, provavelmente seria nulo.
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